[ Entre as promessas dos corpos e dos tempos ]

Entram pelos sonhos adentro. As promessas dos corpos e dos tempos. Tudo aquilo que vem de fora age sobre os sonhos, e estes, agem sobre os corpos. Corpos, colunas ou espaços, são tudo uma e a mesma coisa – próteses de outras vidas, tempos e lugares. Um verdadeiro e único tempo não existe, mas os tempos existem. Estes corpos procuram-se.

Nas obras apresentadas tudo é demasiado débil, porém, há formas de o iludir: jogando com a própria matéria e com a linha. Unicamente compostas por uma sucessão de lâminas, elas foram cuidadosamente tratadas e seccionadas. Se estivessem isoladas, a sua forma estancava, ou seja, não seriam (quase) nada. Cada uma traça linhas de fronteira onde o corte foi abrupto, mas preciso, anunciando uma certa ordem e continuidade na construção dos corpos. Já a linha que os separa do fundo, denuncia uma inabalável incompletude. Aí, ergue-se uma torre e um túnel que precipitam um desejo de saída. Esse “dentro” é um acesso negro magnetizante e desconcertante; não sabemos se é ou não o vazio. No entanto, a concreta pele de todo e qualquer corpo nele se alicerça. E é assim que estes se atiram para o mundo: descentrando-se de si mesmos para se libertarem e encontrarem um outro lugar. Podemos perguntar de onde partem e para onde irão. Mas fará sentido dar-lhes realmente um sentido? O que está entre as suas promessas já não o será?

Em Depois das tardes de verão e dos pesarosos invernos, Filipa Cruz cria, acima de tudo, um clima. O lugar que as suas obras ocupam não é propriamente físico. Ainda não é o seu ou o novo lugar que procuram, sim, uma passagem para parar, reflectir e readaptar. Depois do resgate, e tal como nos sonhos, é essa a força e promessa que nos deixam.


Ana Lanita

Filipa Cruz
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