Quando a aresta se torna face

67 x 84 x 13 cm

Stack of paper and charcoal

 

Quando a aresta se torna face é uma peça em que o desenho é pensado nas suas possibilidades expandidas, constituindo-o como objeto através da utilização de carvão (se um dia és lenha suada ardes da tua própria resina [Os selos, outros, últimos, Herberto Helder]).

Nesta peça escultural, mas intrinsecamente frágil, o desenho aparece nas ínfimas bordas do papel. É na acumulação de folhas – cada uma meticulosamente coberta com carvão nas arestas –, que se procura levar o desenho a transformar a aresta convertendo-a em superfície.

O objeto resulta do desenhar a carvão, nas quase impossíveis bordas, revestindo-as e deixando vestígios resultantes da fricção do carvão nas arestas no chão circundante(Por um lado entra a noite, / assim de súbito negra [As Palavras, Herberto Helder]) convidando-nos a pensar o aveludado, o carnudo, o absorvente (luz) do negrume (Abertas para sempre as negras partes de mais uma estação [As Palavras, Herberto Helder]) e a superfície luminosa e [quase] imaculada da folha de papel, aparente virgindade e inocência (é sua carne que do minuto obscuro e morto se devolve à luz. [O amor em visita, Herberto Helder]).

Neste objeto efémero, porque assumidamente passível de se destruir, um dos pontos de relevo é o tempo que lhe é inerente: o seu tempo num presente sempre novo, o tempo processual, o tempo do desenho, o tempo do gesto e o do vestígio.

Processo caótico, sujo, decerto, nas faces verticais do bloco, e, todavia, a ordem e a pretensão de um quase purismo são aliciadas pelas bordas manchadas, por um fantasma do sujo que se sentiria no passear o dedo por tão cortantes bordas.


Filipa Cruz

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Filipa Cruz
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